#diversidade

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Lula e a Inteligência Artificial

#Lula defende #InteligênciaArtificial genuinamente #nacional, mas #Brasil segue #entregando #dados para aperfeiçoamento de IAs de empresas norte-americanas

#SérgioAmadeu

Opera Mundi https://operamundi.uol.com.br/opiniao/lula-e-a-inteligencia-artificial/
São Paulo

17 de março de 2024,
às 13:45

Poucas pessoas têm uma #intuição tão aguçada e profunda sobre as questões cruciais do seu tempo como o presidente #Lula. Em uma recente reunião do Conselho Nacional de #Ciência e #Tecnologia, o presidente brasileiro declarou de modo contundente querer “uma #IA (Inteligência Artificial) genuinamente #guarani” ou “ #yanomami ”. Cobrou dos pesquisadores que fizessem algo “nosso”.

É impressionante que Lula tenha dito uma frase tão certeira nesse momento crucial do desenvolvimento das tecnologias chamadas de “inteligentes”. Com sua sentença, Lula deixou evidente que a IA não é neutra, que ela porta as cosmovisões de uma #sociedade, que é desenvolvida conforme os traços culturais de uma #população. A IA atual é concebida e elaborada a partir de um universo cosmotécnico que não é o nosso, nem o dos yanomamis. O filósofo honconguês Yuk Hui parece ter conversado antes com Lula. Mas, sei que não.

Lula também reforçou o #pensamento de várias pesquisadoras, como a #matemática Cathy O’Neil, que nos alerta que as tecnologias digitais, apesar de sua reputação de #imparcialidade, refletem #objetivos político-econômicos e ideológicos. O’Neil escreveu que “os modelos (inclusive de IA) são #opiniões embutidas em matemática”. Cheguei a considerar que o presidente poderia ter lido e se inspirado na ideia de que as tecnologias informacionais expressam aquilo que Richard Barbrook e Andy Cameron nomearam como a “Ideologia Californiana” no título de seu livro de 1995.

O presidente também acertou em cheio ao cobrar dos cientistas brasileiros uma abordagem original da IA. Talvez alguém tenha alertado Lula de que aquilo que o mercado chama de “inteligência artificial” são na realidade sistemas algoritmos que extraem padrões de variadas e gigantescas base de dados para criar modelos que serão acessados a partir de interfaces digitais. A IA realmente existente é a dos sistemas automatizados que utilizam muitos dados e cada vez mais poder computacional, ou seja, infraestruturas com milhares de servidores. Por isso, Lula esboçou uma reclamação ao falar que temos tanta gente inteligente no Brasil, como se quisesse advertir alguns desavisados de que a IA realmente existente está muito longe de superar nossa inteligência orgânica.

Há um texto muito importante para mostrar que aquilo que naturalizamos nas tecnologias, em geral, são perspectivas e ideários que guardam cosmovisões. Um grupo internacional de #tecnólogos #indígenas, em 2021, utilizando a metodologia chamada design centrado no território – criada pelos povos indígenas da #Austrália – buscou criar protocolos de um sistema de parentesco para desenvolver uma estrutura algorítmica com base na chamada #computação #genética. Os algoritmos criados sob a orientação dos anciões receberam uma elevada pontuação em #diversidade e #complexidade, mas fracassavam em velocidade e eficiência. Esse relato presente no livro Out of the Black Box: Indigenous Protocols for AI (Saindo da caixa preta: protocolos indígenas para a AI, em tradução literal) evidencia que “fazer mais com menos” nem sempre é algo prioritário para uma #cultura. A velocidade algorítmica não interessava aos aborígenes. Interessa ao #capital. O acúmulo de dados é vital para os paradigmas dominantes na IA realmente existente.

Não é por menos que os Estados Unidos detém mais da metade dos #Data Centers do planeta. O insumo essencial da IA nas abordagens atualmente dominantes são os dados. Mas, eles não são como o petróleo, naturais; não brotam do chão. Dados são criados por #humanos, #empresas, #instituições, #indivíduos ou por #máquinas inventadas por humanos. As grandes empresas de tecnologia, as Big Techs, querem que acreditemos na sua #ideologia sobre dados para continuar a extraí-los como algo disponível na natureza. Por isso, mais uma vez Lula acertou ao pedir que os cientistas daqui façam algo. Para isso, teremos que estancar a coleta de dados absurda que é feita em nosso país para alimentar e treinar os sistemas algoritmos dos Estados Unidos.

O que Lula, apesar de sua intuição, não tratou, foi da colossal transferência de dados públicos que fazemos para as Big Techs. Também não se pronunciou sobre o fato de que o seu governo continua treinando os algoritmos da #IBM com dados dos servidores públicos, civis e militares, quando esses acessam o serviço de chat do #SouGov. Essa derrama de dados começou com Bolsonaro e continua no atual governo. Lula certamente não leu os Termos de Uso do SouGov. Nele, está justificado o envio de dados dos brasileiros para os Estados Unidos: “… tal armazenamento tem o objetivo de prover o aprendizado de máquina da ferramenta de chat denominada ‘Watson’, onde as interações dos usuários no chat são utilizadas para ‘aprendizado’ pelo computador que envia as respostas automáticas quando o usuário está sendo atendido por meio do chat do serviço SouGov.”

Tão grave quanto a entrega de dados dos servidores públicos brasileiros para um sistema que opera em solo norte-americano, longe da nossa jurisdição, é o fato de que mais de 70% das universidades brasileiras entregaram seus e-mails e listas de discussão, bem como seus repositórios para o armazenamento de arquivos para o Google e para a Microsoft. Lula poderia sugerir que o #MEC fizesse um consórcio com as universidades para construir data centers que mantenham nossos dados sobre nossa governança, servindo ao treinamento de sistemas algorítmicos desenvolvidos pela nossa inteligência coletiva. Seria um primeiro grande passo para proteger os nossos dados e desenvolver nossa IA.

(*) Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É professor-adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC). Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

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A Janja o que é de Janja: a organização da posse de Lula foi impecável

#RicardoKotscho

02/01/2023

Uma criança, um negro, um indígena, uma cozinheira, um operário, uma catadora, um professor, uma pessoa com deficiência: pela primeira vez na história das posses, esse grupo representativo da diversidade do povo brasileiro subiu a rampa do Palácio do Planalto neste domingo para passar a faixa ao seu novo presidente da República.

Todo mundo que viu se emocionou e muita gente chorou ao ver a cena mais simbólica da grande festa da democracia. Se algo tivesse dado errado, hoje estaria todo mundo falando da mulher que organizou tudo, a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja do Lula.

Mas, como deu tudo certo, ouviu-se apenas o silêncio sobre a principal responsável pela organização impecável do reencontro do Brasil consigo mesmo e seu presidente, pela terceira vez, que começou na manhã do dia 1º e varou a madrugada de hoje.

Foi um dia cheio de simbolismos e ineditismos, de uma beleza rara, do começo ao fim, com o povo ocupando desde cedo a Esplanada dos Ministérios, sem nenhum incidente, nenhuma briga, nenhuma gafe, nenhum sinal de golpe ou terrorismo, como tanto se ameaçou antes da fuga do ex-presidente para os Estados Unidos.

Recusar-se a passar a faixa para Lula foi a melhor coisa que o dito cujo fez na vida, porque abriu caminho para o ritual popular bolado por Janja, que levou para a rampa até a cachorra Resistência, adotada pelo casal durante a vigília "Lula Livre", em Curitiba.

Em trajes elegantes, mas discretos, com os cabelos presos na nuca, Janja só não correu mais do que o fotógrafo oficial Ricardo Stuckert para que tudo desse certo neste grande dia esperado por pelo menos metade do Brasil.

Por mais que Lula em seus discursos tenha pregado a união nacional e o fim da polarização política, depois que a eleição acabou, o ódio sobreviveu nos comentários dos internautas da outra metade do Brasil, que mantiveram os ataques em suas milícias digitais, inconformados com o resultado da eleição e o sucesso da festança organizada por essa socióloga paranaense, de 56 anos, que cometeu o pecado de ter casado com Lula e ser ouvida por ele.

Valeu, Janja. Só no regime democrático é possível sair do melancólico funeral da um governo nefasto para a festa do novo que começa com muita esperança, após a simples troca de um presidente pelo outro, por meio do voto.

Democracia sempre!

Vida que segue.

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#Brasil #Janja #Lula #posse #política #diversidade #cultura

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Negacionismo da casa-grande

October 04, 2021

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

#LeandroNarloch é um dos maiores pensadores atuais do #humanitismo. Ao escrever, em coluna nesta Folha, que foi possível a certos escravizados triunfar por mérito e esforço próprios (“Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ precisam inspirar o movimento negro”; 29/9), sugere também ser possível triunfar em uma sociedade injusta e desigual como a nossa. Ao defender abertamente a ideia de que as distorções hierárquicas brasileiras são legítimas, sua coluna parece ter saído diretamente das páginas do jornal Atalaia, do romance de Machado de Assis.

A #diáspora #africana, quatro séculos de #escravidão, documentos, relatos, pesquisas e milhões de brasileiros descendentes de africanos —nada disso é páreo para a #história pessoal de algumas #mulheres.

A escrita da história envolve disputas, o que nos exige compromisso contra todo um arsenal de horrores que alimentou, por exemplo, o fascismo. Por tamanha responsabilidade, o trabalho do historiador é um exercício ético constante; já a produção de caricaturas e outras formas textuais, não.

Defensor da #meritocracia nos trópicos, podemos já antever a reação do jornalista não apenas a este, mas também a outros textos: ver-se como uma pobre mente pensante, supostamente autônoma, vítima de um silenciamento, que teria ousado desafiar o status quo.

O historiador Pierre Vidal-Naquet já nos alertava em seu trabalho sobre o Holocausto, “Os Assassinos da Memória”, de que podemos e devemos sempre #discutir #sobre revisionistas, mas #jamais #com os #revisionistas.

Certo mito apaziguador diz que a história do #Brasil é caracterizada por um perfil relativamente pacífico, o que é rapidamente desmentido por inúmeras guerras, rebeliões, sedições e revoltas contra um projeto de país forjado em ferro, brasa, mel de cana, pelourinhos, senzalas, concentração fundiária, aldeias mortas, tambores silenciados, truculência oligárquica e chicote dos capatazes, entre outros.

Mesmo assim, o colunista insiste na manutenção do que a herança escravista produz de pior: a #negação da resistência negra e o elogio àqueles escravizados que, inseridos na dinâmica brutal do escravismo, alcançaram a plena realização como #senhores de escravizados.

Os horrores da escravidão e sua herança para a sociedade brasileira estão presentes em farta documentação e foram objeto de numerosos estudos de pesquisadores brasileiros. Contudo, historiadores e suas obras raramente ganham a projeção do texto falacioso e racista de Narloch.

A irrelevância das #bobagens que foram escritas não merece resposta no campo da historiografia. Basta reconhecer sua excepcionalidade e a persistência do #preconceito, numa sociedade em que a elite era quase uniformemente branca —e continua a sê-lo. O sucesso parcial dentro de parâmetros manifestamente injustos não os legitimam; antes, aumentam seu horror.

O problema maior reside no fato de que essas aberrações se vulgarizam e chegam às salas de aula, obrigando #educadores a confrontá-las. É por conta da projeção que textos dessa natureza ganham que todos os dias professores entram em sala de aula para reafirmar o #óbvio, que #escravidão, #nazismo e #ditadura existiram e devem ser condenados —ou que vacinas salvam vidas.

Não tenhamos ilusões. Ao combater e desqualificar a memória do sofrimento e da luta dos mortos, gente como Narloch pretende —mirando a casa-grande— impedir que elas sejam centelhas capazes de animar as lutas dos vivos em nome de uma sociedade mais justa e fraterna. Daí sua tentativa francamente bizarra de pautar o #movimento #negro, cinicamente sugerindo a valorização daqueles que participaram do sistema de exploração em vez dos que o contestaram.

Dar espaço e, consequentemente, projeção a esse tipo de argumento #não é um exercício de #democracia. O #negacionismo é tal qual o abraço do afogado: quando se dialoga com ideias falaciosas, não há o que ser salvo; simplesmente afunda-se junto, pois o que procuram não é #debate, mas a #provocação.

Mais importante até do que uma resposta ao colunista e seus congêneres é uma resposta da própria Folha, pois sua busca pela “pluralidade de ideias” degenerou-se em palanque justamente para aqueles que são contra essa #diversidade, os quais não hesitam em usar de má-fé para distorcer a realidade e defender a hierarquia excludente que marcou a nossa história. É esse o papel de um jornal a serviço da democracia?

Rodrigo Nagem de Aragão
Mestrando em história pela USP

Ana Paula Saviatti
Doutoranda em história pela Unicamp

Dennis Almeida
Professor de história

TENDÊNCIAS / DEBATES
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