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hudsonlacerda@diasporabr.com.br

Onde está Maria?

Por Cida Falabella Publicado em 7 de março de 2024 | 10h00

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https://www.otempo.com.br/opiniao/cida-falabella/onde-esta-maria-1.3343560

No Natal do ano passado, em meio às compras de presentes para a família, entrei em uma loja e perguntei por presépios. Eu gosto de Natal, é preciso dizer. Já fui de não gostar, mas fiz as pazes com a celebração e sou das que enfeita a casa e recebe a família. “Mas por que falar de Natal em pleno março, mês das mulheres, Cida Falabella?”. Vai ouvindo.

Tinham uns presépios bem feinhos, mas eu queria levar mesmo assim e estava indecisa, demorando a decidir, até que escolhi. Fui dar aquela última olhada antes de a atendente embrulhar o presépio escolhido quando, pasmem, onde está Maria?

A moça pediu desculpas e foi buscar outros exemplares, mas não encontrou nenhum que tivesse a Mãe. Alguns traziam os três reis magos, outros não, todos tinham José, os bichos variavam de um para outro, mas nenhum tinha Maria. E eu repetia incrédula: “Mas cadê Maria, gente? A mãe que deu à luz?”.

Aquela cena mundialmente famosa jamais existiria se não fosse pelo papel dos dois protagonistas, minha gente. Não ia ter Menino, Reis Magos e tudo que aconteceu depois e mudou a história do mundo. E naquele item genérico, nem de coadjuvante colocaram a Mãe.

“Inacreditável”, eu falava mais para mim do que para a atendente, que não tinha responsabilidade sobre a ausência ilustre. As pessoas começaram a olhar. Algumas ajudaram na busca, mas Maria não estava ali mesmo. Silêncio. Eu e a atendente nos olhamos incrédulas. Eu pedi desculpas e desisti da compra: “Desculpa, moça. Sem Maria não posso levar o presépio”.

Levo Maria comigo em meu nome como a marca de um milagre. Minha mãe, Dona Cely, depois que se casou, sofreu uma queda e uma médica disse a ela que nunca poderia ter filhos. Quando ela, por força de sua vontade e das suas orações, engravidou, consagrou sua primeira filha a Nossa Senhora. Por isso, me chamo Maria Aparecida. Carregando esse nome na certidão e no coração, é esperado que perceberia a ausência da Mãe, escrito assim, na regra do sagrado.

Hoje, ao pensar no que escrever neste Dia Internacional das Mulheres, essa história me vem como metáfora do que vivem as mães e mulheres, aquelas que carregam, embalam, limpam, pranteiam… cuidam de uma forma tida como “natural”, invisibilizada e não remunerada.

“Cuidam de quê, Cida?”. “Do mundo, e de todo mundo”.

Ninguém parece ver, mas é a economia do cuidado que permite que exista produtividade e organização em todo o resto da nossa sociedade, e ela é feita por milhões de Marias – ainda o nome próprio mais comum no Brasil. Segundo dados da PNAD Contínua de 2019, as Marias dedicam, em média, 21,7 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não-remunerado, enquanto os homens dedicam 11 horas. Para as brancas, essa cifra é de 21 horas semanais e para as negras, 22,3 horas por semana. Ainda que pareça pouco, ao final de um ano, as Marias negras fazem quase 68 horas a mais de trabalho de cuidados não-remunerado, e isso as retira dos cuidados consigo mesmas, do mercado de trabalho e de diversos outros espaços, como por exemplo, a política.

Neste mês de março, para além da luta pelo direito de permanecermos vivas em um país ainda extremamente violento para mulheres, é preciso reconhecer o protagonismo das nossas Marias – e cuidar delas. Este é só o primeiro passo de uma mudança cultural complexa e urgente, que passa pela elaboração de políticas públicas que apoiem as mulheres, facilitem seu cotidiano e as permitam usufruir com igualdade de oportunidades das vidas, sem que os cuidados sejam deixados de lado. Que a justiça de cada dia nos dai hoje, Maria.

hudsonlacerda@diasporabr.com.br

Bolsonaro jamais seria um Zo’é

#FernandoBrito #Tijolaço

https://tijolaco.net/bolsonaro-jamais-seria-um-zoe/

A foto do jovem Tawy Zo’é levando nas costas o pai, Wahu Zo’é, fraco demais para caminhar seis horas até o posto de #saúde mais próximo de sua aldeia, é o maior tapa na cara que se poderia dar em Jair Bolsonaro por conta de sua demoníaca cruzada contra a #vacinação infantil (e também, contra a adulta, como todos sabemos).

Tawy marchou pela floresta para preservar a vida, entre barrancos, rios e animais, para defender vida de quem o fez viver e sobreviver.

Zo’é, nome da etnia, tem um significado simples de entender. Quer dizer “nós”, a palavra que os une e os fez enfrentar uma #história de tragédias.

Os Zo’é sabem, na sua memória coletiva, os perigos de uma epidemia.

Não as conheciam enquanto viviam isolados, mas passaram a entender o que era quando foram contatados por missionários #evangélicos em 1987. Para capturar suas almas, atraíram seus corpos como se atrai peixes com iscas, jogando-lhes “presentes”.

Em 2020, com as imagens impressionantes de Sebastião Salgado, o jornalista Leão Serva conta a história da tragédia que sucedeu a esta “pescaria de almas”.

20% dos Zo’é contatados pelos missionários morreram e outros tantos ficaram cegos, ou quase, por formas graves de conjuntivite viral ou por tracoma.

Só existem como comunidade porque, no início do governo Collor, o indigenista Sidney Possuelo, na #Funai, saiu em seu socorro, expulsou os “missionários” e levou assistência médica aos índios, restabelecendo, tanto quanto possível, a independência da sua vida.

Mas eles não desistiram e, no Governo Bolsonaro, voltaram à carga. Para a direção do departamento de índios isolados da Funai nomearam Ricardo Lopes Dias, um ex-missionário da Missão Novas Tribos do Brasil, a mesma que havia levado dor e morte aos Zo’é há mais de 30 anos.

Gente desta “tribo” canibal de mentes foi flagrada planejando atacar de novo a tribo. ““Nós vamos voltar para os Zo’é. Não sei como, mas nós vamos voltar”, diz um deles, Edward Gomes da Luz, ameaçando com a #evangelização forçadas: “A pessoa ou vai ajoelhar voluntariamente, adorando [ao deus #cristão] , ou vai ajoelhar #obrigatoriamente, temendo [ao deus cristão]”.

Estes áudios, divulgados pelo The Intercept, ajudaram a derrubar Lopes Dias do cargo, apesar do apoio da ministra Damares Alves.

A história por trás da foto mostra que Tawy Zo’é carrega mais que o velho e quase cego pai e por muito mais tempo que as 12 horas da ida e a volta até o posto de saúde.

É de perguntar ao presidente Jair Bolsonaro, que não quer que as #crianças se vacinem (ou aos generais que consideram capitular aos desejos presidenciais de que os seus soldados não sejam imunizados) se eles têm um milésimo da civilização daquele rapaz.

Não é que lhes falte a força, é que lhes falta o que os Zo’é trazem no nome: o “nós”, o sentido de pertencimento a um povo, uma Nação.

Bolsonaro não é Zo’é, porque lhe falta a ideia da coletividade,

O jovem Tawy jamais diria “e daí? todo mundo morre um dia, mesmo”.